02 maio 2024

Estudo busca entender matemática e mecânica por trás do trico

Pesquisadora argumenta que ‘tricotar é programar’ diz que lã é material programável

BOSTON – Para a matemática e física Elisabetta Matsumoto, do Instituto de Tecnologia da Geórgia, tricotar é mais do que um passatempo com benefícios à saúde. Apesar de gerações de conhecimento prático e experimental, as propriedades físicas e matemáticas do tecido tricotado raramente são estudadas de maneira a produzir modelos capazes de prever o comportamento desses tecidos.

Matsumoto quer mudar isso. Ela está embarcando em um projeto de cinco anos, “What a Tangled Web We Weave” (A emaranhada teia que tecemos), financiado pela Fundação Nacional da Ciência nos Estados Unidos, com o objetivo de investigar o funcionamento matemático e mecânico da “antiga tecnologia chamada tricô”. Alguns dos exemplos mais antigos são do século 11, encontrados no Egito.

Elisabetta Matsumoto, primeira à esquerda, no centro, para quem “tricotar é programar”, está no processo de contar e classificar todos os nós e pontos possíveis para estudar como os padrões afetam o comportamento dos tecidos. Foto: Johnathon Kelso para The New York Times

 

Ela argumenta que “tricotar é programar” e, de acordo com ela, a lã é um material programável. As potenciais recompensas da pesquisa dela vão dos dispositivos eletrônicos de vestir até o uso de tecidos na construção. “Gosto de tricotar desde criança”, disse Matsumoto ao público reunido no encontro anual da Sociedade Americana de Física, em março.

“Era a atividade que eu procurava para me entender com a minha mãe durante a adolescência. Tem sido um sonho reunir tudo aquilo que aprendi na infância e usei em brincadeiras e agora transformar tudo em algo com rigor científico.” Como primeira etapa, a equipe dela está classificando todos os nós possíveis do tricô. A investigação é informada pela tradição matemática da teoria dos nós.

Um nó é um círculo retorcido – contém cruzamentos que não podem ser desfeitos (um círculo sem cruzamentos é um “desnó”). “O ponto do tricô é uma série de nós sucessivos, um em seguida do outro”, disse Matsumoto. Fileiras e colunas de nós sucessivos formam um padrão entrelaçado tão regular que chega a ser análogo a estruturas de cristal e materiais cristalinos.

Graças à teoria dos nós, Matsumoto está desenvolvendo uma teoria do tricô: um alfabeto de nós unitários, um glossário de combinações de pontos, e uma gramática regendo a geometria tricotada e sua topologia – a “elasticidade emergente” do tecido, ou sua capacidade de esticar.

Um fio de lã é quase inelástico, mas, quando configurado em nós sucessivos – em padrões de pontos -, surgem diferentes graus de elasticidade. “Com base apenas nesses dois pontos, essas duas unidades fundamentais, podemos criar uma série de tecidos, e cada um desses tecidos apresenta propriedades elásticas muito diferentes”, disse Matsumoto.

Ela começou a combinar seus talentos na matemática e no tricô como estudante de doutorado, depois de admirar o crochê de uma amiga interpretando o plano hiperbólico e se indagar como aquilo poderia ser feito de outra maneira. A teoria do tricô da sua equipe vai incorporar essas e outras morfologias, bem como defeitos intencionais e limitações nos pontos, como a descrição da curvatura de um fio, sua retorção e compressão; quantos fios menores o compõem; sua espessura; e sua “maciez”.

A maciez se refere à “área de halo de um fio, onde vemos fibras soltas e efêmeras”, disse Matsumoto, que muda a forma de interação entre dois fios. Para o projeto Tangled Web, a maior parte da tecelagem experimental é produzida por uma réplica de um tear mecânico de 1970, o Taitexma Industrial and Home-Based Knitting Machine modelo TH-860, operado por uma estudante de doutorado, Krishma Singal.

A equipe de Matsumoto gosta de pensar em como os padrões de pontos tricotados funcionam como um código – mais complexo do que os zeros e uns da linguagem binária – que cria o programa da elasticidade e geometria do tecido costurado. A palavra-chave é “material topologicamente programável”, disse Michael Dimitriyev, pesquisador de pós-doutorado. Ele está trabalhando em uma simulação computadorizada de tecidos costurados, definindo propriedades dos fios e topologia dos pontos, e produzindo a partir delas a geometria e elasticidade do objeto finalizado real.

O primeiro estudo da equipe, atualmente em andamento, vai verificar o resultado das simulações de Dimitriyev em relação aos tecidos reais produzidos por Krishma. Depois que a simulação de computador for refinada, Matsumoto e outros poderão extrair equações e algoritmos do comportamento dos tecidos tricotados, o que poderia por sua vez ser aplicado a simulações de física e gráficos para jogos eletrônicos, ou filmes.

As animações Valente e Monstros S. A., da Pixar, mostraram um trabalho de ponta na representação do cabelo e dos pelos, mas o tecido de lã ainda não teve seu momento nos holofotes. Representar tecidos na animação é um processo de tentativa e erro, exigindo supercomputadores para processar os longos processos de renderização. “A pesquisa pode seguir nessa direção”, disse Matsumoto. / TRADUÇÃO DE AUGUSTO CALIL

 

Fonte:Estadão

Rio Artes

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